8. Olam Hazeh, Olam Haba e a Ressurreição dos mortos
Jesus era mais fariseu do que você pensa (e isso não é um xingamento) - Parte 5
A ressurreição dos mortos
Lendo os evangelhos, é claro que tanto Jesus quanto os fariseus criam na doutrina da ressureição dos mortos. O novo testamento confirma Flávio Josefo e outras fontes judaicas ao afirmar que a crença na ressurreição e nos anjos era algo que dividia fariseus e saduceus.
Um episódio nos evangelhos mostra Jesus discutindo com os Saduceu sobre esse tema, defendendo a ressurreição.
Em Atos dos Apóstolos, durante o próprio julgamento, Paulo consegue criar uma intriga entre os fariseus e os saduceus ao dizer que estava sendo julgado pela crença na ressurreição dos mortos. Essa afirmação fez os dois grupos iniciarem um debate que coloca o julgamento de Paulo para segundo plano.
E Paulo, sabendo que uma parte era de saduceus e outra de fariseus, clamou no conselho: Homens irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseu; no tocante à esperança e ressurreição dos mortos sou julgado .E, havendo dito isto, houve dissensão entre os fariseus e saduceus; e a multidão se dividiu. Porque os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo, nem espírito; mas os fariseus reconhecem uma e outra coisa. E originou-se um grande clamor; e, levantando-se os escribas da parte dos fariseus, contendiam, dizendo: Nenhum mal achamos neste homem, e, se algum espírito ou anjo lhe falou, não lutemos contra Deus. E, havendo grande dissensão, o tribuno, temendo que Paulo fosse despedaçado por eles, mandou descer a soldadesca, para que o tirassem do meio deles, e o levassem para a fortaleza. - Atos 23:6-10
Se é evidente que tanto os fariseus como os discípulos de Jesus acreditavam na ressurreição, é menos evidente que essa crença está muito pouco delineada no texto do Velho Testamento.
Em todo antigo testamento, há apenas uma menção direita a ressurreição, em Daniel 12:2
E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno. - Daniel 12:2
O livro de Daniel é possivelmente o último livro do Antigo Testamento a receber sua forma final, embora longos trechos tenham sido escritos muitos anos antes, especialistas dizem que sua redação foi concluída entre 167 e 164 antes de Cristo. Período da revolta dos Macabeus. O capítulo 11 do livro de Daniel, onde é citada a abominação da desolação, é considerado uma referência ao rei selêucida Antíoco Epifânio, alvo da revolta.
Não por coincidência, outras menções diretas a ressurreição dos mortos aparecem no livro apócrifo de 2 Macabeus. Durante o martírio alguns homens clamam ter confiança na ressurreição:
"Estando prestes a dar o último suspiro, disse: “Maldito, tu nos arrebatas a vida presente, mas o Rei do universo nos ressuscitará para uma vida eterna, pois morremos por fidelidade às suas leis”. - II Macabeus, 7
"e este disse, quando estava a ponto de expirar: “É uma sorte desejável perecer pela mão humana com a esperança de que Deus nos ressuscite. Para ti, porém, certamente não haverá ressurreição para a vida!”."II Macabeus, 7
Os versículos de Macabeus mostram uma diferença em relação a passagem do livro de Daniel. Enquanto o livro de Daniel diz que haverá ressurreição de justos e injustos, o livro de Macabeus diz que apenas os justos ressuscitarão. Mesmo no livro de Daniel, não é dito que todos ressuscitarão, mas “muitos"
E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno. - Daniel 12:2
"e este disse, quando estava a ponto de expirar: “É uma sorte desejável perecer pela mão humana com a esperança de que Deus nos ressuscite. Para ti, porém, certamente não haverá ressurreição para a vida!”."II Macabeus, 7
A revolta dos Macabeus foi uma rebelião popular judaica contra o Império Selêucida. Antíoco Epifânio introduziu o culto a Zeus no templo de Jerusalem e tentou eliminar toda a cultura não grega de seu território. Judeus fiéis a Torá, liderados pela família dos Macabeus, lutaram contra o Império Selêucida e saíram vitoriosos, dando inicio ao reinado dos Macabeus, conhecida como dinastia asmoneana.
Um dos grupos que apoiou a revolta foi o grupo dos hassidim, judeus seguidores zelosos da Torá.
1 Macabeus relata que após o inicio da guerra, um grupo de judeus fieis a Torá se isola no deserto e são perseguidos militarmente pelo exercito do rei selêucida. Por negarem violar o sábado, eles não resistem ao ataque no dia santo e são massacrados com suas esposas e filhos. O relato diz que ao morrerem esses judeus disseram “Que morramos todos inocentes. O céu e a terra nos servirão de testemunhas de que nos matais injustamente.”
"Então, uma grande parte dos que procuravam a Lei e a justiça encaminharam-se para o deserto. 30. Ali refugiaram-se, com seus filhos, suas mulheres e seus rebanhos, porque as desgraças os oprimiam cruelmente. 31. Contaram aos oficiais do rei e às forças acantonadas em Jerusalém, na Cidade de Davi, que certo número de judeus, culpáveis de terem transgredido a ordem real, havia descido ao deserto, para ali se ocultar e que muitos se haviam precipitado em seu seguimento. 32. Os sírios arremessaram-se ao encalço deles e os alcançaram, depois se prepararam para agredi-los em dia de sábado. 33. “Isso basta, agora – gritaram-lhes eles –, saí, obedecei à ordem do rei e vivereis.” 34. “Não sairemos –, replicaram os judeus – e não obedeceremos às ordens do rei, com a profanação do dia de sábado.” 35. Instantaneamente os sírios travaram combate contra eles; 36. mas eles não responderam, não atiraram uma só pedra e não obstruíram as entradas dos esconderijos. 37. “Que morramos todos inocentes. O céu e a terra nos servirão de testemunhas de que nos matais injustamente.” 38. E foi assim que os inimigos se lançaram sobre eles em dia de sábado. Eles morreram com suas esposas, seus filhos e seu rebanho. Eram cerca de mil pessoas."I Macabeus, 2 - Bíblia Católica OnlineLeia mais em: https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/i-macabeus/2/
Esse evento faz com que Matatias, líder dos Macabeus na época, decida lutar mesmo em dia de sábado. Em seguida, os macabeus recebem a adesão dos hassidim, que faz a revolta crescer e ser bem sucedida.
"Matatias e seus amigos o souberam e comoveram-se muito. 40. E disseram uns aos outros: “Se todos agirmos como nossos irmãos, se não pelejarmos contra os estrangeiros para pormos a salvo nossas vidas e nossas leis, nos exterminarão bem depressa da terra”. 41. Tomaram, pois, naquele dia a seguinte resolução: “Mesmo que nos ataquem em dia de sábado, lutaremos contra eles e não nos deixaremos matar a todos nós, como o fizeram nossos irmãos no seu esconderijo”. 42. Então, se ajuntou a eles o grupo dos judeus assideus, particularmente valentes em Israel, apegados à Lei;* 43. e todos os que fugiam das perseguições se ajuntaram do mesmo modo a eles e os reforçaram."I Macabeus, 2 - Bíblia Católica OnlineLeia mais em: https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/i-macabeus/2/
A fé de que Deus vingaria os injustos e recompensaria os justos que morreram pela justiça durante a revolta dos macabeus é o primeiro registro histórico do surgimento da crença na ressurreição. Há um vinculo entre a resistência dos hassdim e a crença na ressurreição. Ao sofrerem tamanha injustiça e permanecerem fiéis a Deus, os hassidim creem que seus esforços serão recompensados, se não nessa vida, na vida futura.
Após o fim da revolta, quando os macabeus estabelecem uma dinastia, os hassidim deixam de apoiá-los e se retiram da politica. Esse movimento é considerado o início da seita dos fariseus.
O termo “hasidim” no plural, como um movimento ou um conjunto, não é mais citados após a revolta, mas o termo hasid, no singular, passa a ser usado no Talmud como sinônimo de homem piedoso.
O mundo atual (Olam Hazeh) e o mundo futuro (Olam Haba)
O fariseus posteriormente desenvolvem a doutrina da ressureição dos mortos junto com sua sua visão escatológica o que resulta no conceito de Olam Haba, o mundo vindouro ou o mundo por vir, em oposição ao Olam Hazeh, o mundo atual. O Olam Haba seria o período onde haveria a ressurreição dos mortos e a restauração da criação.
Segundo os fariseus, com algumas exceções, quase todos os judeus teriam uma parte no mundo vindouro, e apenas alguns justos entre os gentios:
Todo o povo judeu, mesmo pecadores e aqueles que podem ser executados com uma pena de morte imposta pelo tribunal, têm uma parte no Olam Haba, como está declarado: "E seu povo também será todo justo, eles herdarão a terra para sempre; ramo da minha plantação, obra das minhas mãos, para que o meu nome seja glorificado ”(Isaías 60:21). E essas são as exceções, as pessoas que não têm participação no Olam Haba, mesmo quando cumpriram muitas mitzvot - mishnah sanhedrin 10
Embora os evangelhos tenham sido escritos em grego e não em hebraico, vemos que em algumas falas de Jesus o termo grego aiōn remete aos conceitos de Olam Haba e Olam Haze:
Ao dizer que o pecado contra o Espirito Santo não será perdoado, Jesus diz que não será perdoado nem neste século (Olam Haze) nem no futuro (Olam Haba)
E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século (Olam Haze) nem no futuro (Olam Haba). - Mateus 12:32
Ao consolar os discípulos que deixaram tudo pelo Reino de Deus, Jesus diz que eles receberam "muito mais neste mundo (Olam Haze), e na idade vindoura (Olam Haba) a vida eterna."
E ele lhes disse: Na verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou pais, ou irmãos, ou mulher, ou filhos, pelo reino de Deus, Que não haja de receber muito mais neste mundo (Olam Haze), e na idade vindoura (Olam Saba) a vida eterna. - Lucas 18:29,30
Da mesma forma que Jesus diz que certos feitos terão recompensa tanto nesse mundo como no mundo vindouro, a Mishna concorda ao dizer que mesmo que certas boas obras tenham recompensa já no Olam Haze, a maior das recompensas fica para o Olam Haba:
A seguir estão as coisas pelas quais um homem desfruta dos frutos neste mundo (Olam Haze), enquanto o principal permanece para ele no mundo por vir (Olam Haba): Honrar o pai e a mãe; A realização de ações justas; E a paz entre uma pessoa e seu amigo; E o estudo da torá é igual para todos eles. - Mishnah Peah 1:1
E finalmente no conflito com os saduceu a respeito da crença na ressurreição, Jesus diz:
E, respondendo Jesus, disse-lhes: Os filhos deste mundo (Olam Haze) casam-se, e dão-se em casamento; Mas os que forem havidos por dignos de alcançar o mundo vindouro (Olam Haba), e a ressurreição dentre os mortos, nem hão de casar, nem ser dados em casamento; Porque já não podem mais morrer; pois são iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição. - Lucas 20:34-36
Essa mesma visão aparece no Talmude babilônico:
Rav disse: No Olam Haba não haverá comida nem bebida, nem geração de filhos, nem barganha, nem inveja e ódio, e nem conflito; mas os justos se sentarão com coroas em suas cabeças e regozijarão na Shekhinah (presença divina), como foi dito: “mas viram a Deus, e comeram e beberam.” (Êxodo 24:11) - Berakhot 17a
Resumindo:
Jesus reconhecia a doutrina pré-farisaica da ressurreição dos mortos e a doutrina farisaica das eras Olam Haze (o mundo atual) e Olam Haba (o mundo vindouro )
Esses 10 pontos são os fundamentais para mostrar a natureza farisaica dos ensinamentos de Jesus.
No próximo post, Oração, Jejum e Esmola:
9. Jejum, oração e esmola. Para Jesus, a esmola é mais importante que o dízimo
Boa parte desse estudo foi feito com base nos livros: Meet the Rabbis - Brad Young Mishnah and the words of Jesus - Roy Blizzard Jejum, oração e esmola Durante o período da quaresma, os católicos são incentivados a praticar jejum, oração e esmola. Essas chamadas práticas quaresmais surgem de um estudo cuidadoso do capítulo 6 de Mateus. Do versículo 1 a 18,…