10. A Origem do “Inferno” - Parte 1 - Antigo Testamento: Sheol e Ge Hinnom
Como surgiu o conceito de “Inferno” na teologia cristã.
O Inferno de Tom & Jerry
Veja uma exemplo de como a ideia do inferno é difundida.
Depois de ter levado várias pancadas piores antes, desta vez, Tom não resistiu. O rato Jerry conseguiu matar seu rival e mandá-lo para o outro mundo. O “espírito” de Tom (uma espécie de névoa, meio transparente, na exata forma de seu corpo) deixa o corpo pra trás e põe os pés em uma escada rolante dourada.
A escada sobe até as mais altas nuvens e chega até “Heavenly Express”, a companhia de trem que leva os gatos bonzinhos ao paraíso dos bichanos. O gato-São Pedro-maquinista barra a entrada de Tom, mas dá uma chance ao gato infernal: em menos de uma hora ele deve conseguir que Jerry assine um certificado de perdão, caso não consiga... será enviado ao inferno dos gatos.
Depois de muito tentar, infelizmente, Tom não conseguiu que o rato marrom assinasse o certificado a tempo. A escada desaparece, fim do prazo. O chão se abre e Tom cai em um caldeirão fervente. Um gato vermelho com chifres verdes e um tridente na mão, sorri enquanto vê a vitima sofrer. No final, é só um sonho, Tom acorda com a calda chamuscada na lareira da sala, e abraça o rato Jerry extremamente aliviado.
Esse é o argumento base do episódio “Heavenly Puss” (Bichano Celestial) do desenho Tom e Jerry. Embora seja uma caricatura, essa visão de céu e inferno não é diferente da visão de boa parte dos cristãos, é o que pode ser chamado de “Inferno de Tom & Jerry”. O que muitos não sabem: entre o enterro do patriarca dos Hebreus pelos seus filhos Isaque e Ismael, e as garfadas no traseiro do gato Tom; o entendimento da vida após a morte no pensamento judaico-cristão passou por um longo desenvolvimento.
Termos traduzidos como inferno em nossas Bíblias; Sheol, Ge Hinnom, Geena, Hades, Tártaro, Infernum; tinham um significado e um contexto diferente.
Vou separar as etapas pela Fonte e o tempo em que foram escritas. Cada etapa depende da anterior, portanto recomendo ler uma a uma para o texto fazer sentido.
Antigo Testamento (1300 A.C – 300 A.C.)
Sheol
Literalmente, Sheol significa buraco, abismo, cova, ou sepultura. Embora Sheol seja traduzido muitas vezes como “inferno”, tem um sentido bem diferente do conceito atual de Inferno no cristianismo. Vou listar abaixo cada uma das aparições da palavra Sheol no Antigo Testamento, dividindo entre versículos em que o Sheol é traduzido como Sepultura e versículos onde Sheol é traduzido como Inferno. Não é fundamental a leitura de cada um dos versículos, mas vou listar cada um para quem quiser ler e tiver preguiça de procurar a referência.
Sheol traduzido como sepultura.
Em alguns deles a única interpretação coerente é entender o Sheol como sepultura ou cova física.
“E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas, para o consolarem; recusou porém ser consolado, e disse: Porquanto com choro hei de descer ao meu filho até ao sheol. Assim o chorou seu pai.” – Genesis 37:26
“Ele porém disse: Não descerá meu filho convosco; porquanto o seu irmão é morto, e só ele ficou. Se lhe suceder algum desastre no caminho por onde fordes, fareis descer minhas cãs com tristeza ao sheol.” – Genesis 42:38
“Se agora também tirardes a este da minha face, e lhe acontecer algum desastre, fareis descer as minhas cãs com aflição ao sheol.” – Genesis 44:29
“Acontecerá que, vendo ele que o moço ali não está, morrerá; e teus servos farão descer as cãs de teu servo, nosso pai, com tristeza ao sheol.” – Genesis 44:31
“Faze, pois, segundo a tua sabedoria, e não permitas que suas cãs desçam ao sheol em paz.” – 1 Reis 2:6
“Mas agora não o tenhas por inculpável, pois és homem sábio, e bem saberás o que lhe hás de fazer para que faças com que as suas cãs desçam ao sheol com sangue.” – 1 Reis 2:6
“Assim como a nuvem se desfaz e passa, assim aquele que desce ao sheol nunca tornará a subir.” – Jó 7:9
“As barras da sheol descerão quando juntamente no pó teremos descanso.” – Jó 17:16
“Na prosperidade gastam os seus dias, e num momento descem à sheol.” – Jó 21:13
“A secura e o calor desfazem as águas da neve; assim desfará a sheol aos que pecaram. A madre se esquecerá dele, os vermes o comerão gostosamente; nunca mais haverá lembrança dele; e a iniquidade se quebrará como uma árvore.” – Jó 24:19-20
“Porque a minha alma está cheia de angústia, e a minha vida se aproxima da sheol.” – Salmo 88:3
“Os nossos ossos são espalhados à boca da sheol como se alguém fendera e partira lenha na terra.” – Salmo 141:7
“Se disserem: Vem conosco a tocaias de sangue; embosquemos o inocente sem motivo; Traguemo-los vivos, como a sheol; e inteiros, como os que descem à cova; Acharemos toda sorte de bens preciosos; encheremos as nossas casas de despojos;” Provérbios 1:11-13
“A sheol; a madre estéril; a terra que não se farta de água; e o fogo; nunca dizem: Basta!” – Provérbios 30:16
“Eu disse: No cessar de meus dias ir-me-ei às portas da sheol; já estou privado do restante de meus anos.” – Isaias 38:10
Uma das características da poesia judaica é o paralelismo. Palavras antônimas ou sinônimas são colocadas em versos paralelos. A sepultura como sinônimo de morte aparece nos seguintes versículos.
“Cordas do sheol me cingiram; encontraram-me laços de morte.” – 2 Samuel 22:6
“Que homem há, que viva, e não veja a morte? Livrará ele a sua alma do poder da sheol?” – Salmo 89:48
“Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço, porque o amor é forte como a morte, e duro como o sheol o ciúme; as suas brasas são brasas de fogo, com veementes labaredas.” – Cânticos 8:6
Aparece em um trecho de Números como uma fenda que se abre no chão e engole os vivos.
“Mas, se o SENHOR criar alguma coisa nova, e a terra abrir a sua boca e os tragar com tudo o que é seu, e vivos descerem ao sheol, então conhecereis que estes homens irritaram ao SENHOR. E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra que estava debaixo deles se fendeu. E a terra abriu a sua boca, e os tragou com as suas casas, como também a todos os homens que pertenciam a Coré, e a todos os seus bens. E eles e tudo o que era seu desceram vivos ao sheol, e a terra os cobriu, e pereceram do meio da congregação.” – Números 16:30-33
O Sheol aparece junto com o fogo apenas em um trecho, e mesmo assim não como a fonte do fogo. O autor quer expressar o quão fundo o fogo consegue chegar.
“Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arderá até ao mais profundo do sheol, e consumirá a terra com a sua colheita, e abrasará os fundamentos dos montes. Males amontoarei sobre eles; as minhas setas esgotarei contra eles. Consumidos serão de fome, comidos pela febre ardente e de peste amarga; e contra eles enviarei dentes de feras, com ardente veneno de serpentes do pó. Por fora devastará a espada, e por dentro o pavor; ao jovem, juntamente com a virgem, assim à criança de peito como ao homem encanecido.” – Deuteronômio 32:22-25
Em outros trechos, o Sheol pode ser entendido como a sepultura física (sendo o comportamento dos mortos metafórico) ou como o mundo dos mortos.
“O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer ao sheol e faz tornar a subir dela.” – 1 Samuel 2:6
“Quem dera que me escondesses na sheol, e me ocultasses até que a tua ira se fosse; e me pusesses um limite, e te lembrasses de mim!” – Jó 14:13
“SENHOR, fizeste subir a minha alma da sheol; conservaste-me a vida para que não descesse ao abismo.” – Salmo 30:3
“Não me deixes confundido, SENHOR, porque te tenho invocado. Deixa confundidos os ímpios, e emudeçam na sheol.” – Salmo 31: 17
“Como ovelhas são postos na sheol; a morte se alimentará deles e os retos terão domínio sobre eles na manhã, e a sua formosura se consumirá na sheol, a habitação deles. Mas Deus remirá a minha alma do poder da sheol, pois me receberá.” – Salmo 49:14-15
“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sheol, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.” – Eclesiastes 9:10
E mesmo com o possível significado de mundo dos mortos, o Sheol aparece paralelo a morte.
“Porque não te louvará a sheol, nem a morte te glorificará; nem esperarão em tua verdade os que descem à cova.” – Isaias 38:18
O termo hebraico qeber, que em nenhum momento é traduzido como Inferno em todo A.T., no livro de Jó tem características idênticas ao sheol.
“Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se então tivera expirado, e olho nenhum me visse! Então eu teria sido como se nunca fora; e desde o ventre seria levado à qeber! Porventura não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento. Antes que eu vá para o lugar de que não voltarei, à terra da escuridão e da sombra da morte; Terra escuríssima, como a própria escuridão, terra da sombra da morte e sem ordem alguma, e onde a luz é como a escuridão.” – Jó 10:21-22
Sheol traduzido como Inferno
O Sheol traduzido como “inferno” não tem o sentido de sepultura física, apenas o sentido de mundo dos mortos. O tradutor prefere usar “inferno” ao invés de sepultura, simplesmente porque o Sheol nesses trechos não está associado aos “justos” ou esta associado aos “justos” que foram redimidos.
A opção por traduzir Sheol para “inferno” apenas nesses trechos é uma interpretação dos tradutores, baseada em conceitos que surgiram depois do texto escrito. Os autores do Antigo Testamento não diferenciavam o Sheol traduzido como “sepultura ou mundo dos mortos” do Sheol traduzido como “inferno”.
“Os mortos tremem debaixo das águas, com os seus moradores. O sheol está nu perante ele, e não há coberta para a perdição.” – Jó 26:5-6
“Os ímpios serão lançados no sheol, e todas as nações que se esquecem de Deus.” – Salmo 9:17
“Pois não deixarás a minha alma no sheol, nem permitirás que o teu santo veja corrupção.” – Salmo 16:10
“Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do sheol.” – 23:14
“Como o sheol e a perdição nunca se fartam, assim os olhos do homem nunca se satisfazem.” – Provérbios 27:20
O livro de Jonas faz a comparação do Sheol com o ventre do peixe.
“E disse: Na minha angústia clamei ao SENHOR, e ele me respondeu; do ventre do sheol gritei, e tu ouviste a minha voz.” – Jonas 2:2
Da mesma foram que o termo Sheol traduzido por “sepultura” aparece em paralelo com morte na poesia judaica, aparece o termo Sheol traduzido por “inferno”.
“Eu os remirei da mão do sheol, e os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó sheol, a tua perdição? O arrependimento está escondido de meus olhos.” – Oseias 13:14
“Tanto mais que, por ser dado ao vinho é desleal; homem soberbo que não permanecerá; que alarga como o sheol a sua alma; e é como a morte que não se farta, e ajunta a si todas as nações, e congrega a si todos os povos.” – Habacuque 2:5
“Tristezas do sheol me cingiram, laços de morte me surpreenderam.” – Salmo 18:5
“A morte os assalte, e vivos desçam ao sheol; porque há maldade nas suas habitações e no meio deles.” – Salmo 55:15
“Os cordéis da morte me cercaram, e angústias do sheol se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza.” – Salmo 116:3
“Os seus pés descem para a morte; os seus passos estão impregnados do sheol.” – Provérbios 5:5
“Porque a muitos feridos derrubou; e são muitíssimos os que por causa dela foram mortos. A sua casa é caminho do sheol que desce para as câmaras da morte.” – Provérbios 7: 26-27
“Mas não sabem que ali estão os mortos; os seus convidados estão nas profundezas do sheol.” – Provérbios 9:18
“Correção severa há para o que deixa a vereda, e o que odeia a repreensão morrerá. O sheol e a perdição estão perante o SENHOR; quanto mais os corações dos filhos dos homens? O escarnecedor não ama aquele que o repreende, nem se chegará aos sábios.” – Provérbios 15:10-12
“Porquanto dizeis: Fizemos aliança com a morte, e com o sheol fizemos acordo; quando passar o dilúvio do açoite, não chegará a nós, porque pusemos a mentira por nosso refúgio, e debaixo da falsidade nos escondemos. Portanto assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse. E regrarei o juízo pela linha, e a justiça pelo prumo, e a saraiva varrerá o refúgio da mentira, e as águas cobrirão o esconderijo. E a vossa aliança com a morte se anulará; e o vosso acordo com o sheol não subsistirá; e, quando o dilúvio do açoite passar, então sereis por ele pisados. Desde que comece a passar, vos arrebatará, porque manhã após manhã passará, de dia e de noite; e será que somente o ouvir tal notícia causará grande turbação.” – Isaias 28:15-19
Mesmo o Sheol nos trechos traduzidos como Inferno não tendo o sentido de sepultura física, continua com características “físicas” semelhantes as de uma sepultura. O ponto mais baixo da terra, um buraco, um abismo, se desce ao Sheol, oposto ao céu, etc.
“Ainda que cavem até ao sheol, a minha mão os tirará dali; e, se subirem ao céu, dali os farei descer.” – Amos 9:2
“Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? E mais profunda do que o sheol, que poderás tu saber?” – Jó 11: 8
“Pois grande é a tua misericórdia para comigo; e livraste a minha alma do sheol mais profunda.” – Salmo 86:13
“Para o entendido, o caminho da vida leva para cima, para que se desvie do sheol em baixo.” – Provérbios 15:24
No Sheol fica a cama, porque o Sheol é lugar de sono. Não tem o sentido de tortura.
“Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no sheol a minha cama, eis que tu ali estás também.” – Salmo 139:8
Nos livros proféticos, o Sheol aparece como um símbolo da queda, da gloria para o abismo.
“Portanto o meu povo será levado cativo, por falta de entendimento; e os seus nobres terão fome, e a sua multidão se secará de sede. Portanto o sheol grandemente se alargou, e se abriu a sua boca desmesuradamente; e para lá descerão o seu esplendor, e a sua multidão, e a sua pompa, e os que entre eles se alegram.” – Isaias 5:12-13
“O sheol desde o profundo se turbou por ti, para te sair ao encontro na tua vinda; despertou por ti os mortos, e todos os chefes da terra, e fez levantar dos seus tronos a todos os reis das nações. Estes todos responderão, e te dirão: Tu também adoeceste como nós, e foste semelhante a nós. Já foi derrubada na sheol a tua soberba com o som das tuas violas; os vermes debaixo de ti se estenderão, e os bichos te cobrirão.
Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
E contudo levado serás ao sheol, ao mais profundo do abismo.
Os que te virem te contemplarão, considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que fazia tremer os reinos?” – Isaias 14:9-16
“Assim diz o Senhor DEUS: No dia em que ele desceu ao sheol, fiz eu que houvesse luto; fiz cobrir o abismo, por sua causa, e retive as suas correntes, e detiveram-se as muitas águas; e cobri o Líbano de preto por causa dele, e todas as árvores do campo por causa dele desfaleceram. Ao som da sua queda fiz tremer as nações, quando o fiz descer ao sheol, com os que descem à cova; e todas as árvores do Éden, a flor e o melhor do Líbano, todas as árvores que bebem águas, se consolavam nas partes mais baixas da terra. Também estes com ele descerão ao sheol a juntar-se aos que foram traspassados à espada, sim, aos que foram seu braço, e que habitavam à sombra no meio dos gentios. A quem, pois, és semelhante em glória e em grandeza entre as árvores do Éden? Todavia serás precipitado com as árvores do Éden às partes mais baixas da terra; no meio dos incircuncisos jazerás com os que foram traspassados à espada; este é Faraó e toda a sua multidão, diz o Senhor DEUS.” – Ezequiel 31:15-18
“Os mais poderosos dos fortes lhe falarão desde o meio do sheol, com os que a socorrem; desceram, jazeram com os incircuncisos mortos à espada. Ali está Assur com toda a sua multidão; em redor dele estão os seus sepulcros; todos eles mortos, abatidos à espada. Os seus sepulcros foram postos nas extremidades da cova, e a sua multidão está em redor do seu sepulcro; todos eles mortos, abatidos à espada; os que tinham causado espanto na terra dos viventes. Ali está Elão com toda a sua multidão em redor do seu sepulcro; todos eles mortos, abatidos à espada; desceram incircuncisos às partes mais baixas da terra, causaram terror na terra dos viventes e levaram a sua vergonha com os que desceram à cova. No meio dos mortos lhe puseram uma cama, entre toda a sua multidão; ao redor dele estão os seus sepulcros; todos eles são incircuncisos, mortos à espada; porque causaram terror na terra dos viventes, e levaram a sua vergonha com os que desceram à cova; foi posto no meio dos mortos. Ali estão Meseque, Tubal e toda a sua multidão; ao redor deles estão os seus sepulcros; todos eles são incircuncisos, e mortos à espada, porquanto causaram terror na terra dos viventes. Porém não jazerão com os poderosos que caíram dos incircuncisos, os quais desceram ao sheol com as suas armas de guerra e puseram as suas espadas debaixo das suas cabeças; e a sua iniqüidade está sobre os seus ossos, porquanto eram o terror dos fortes na terra dos viventes.” – Ezequiel 32:21-27
“E detrás das portas, e dos umbrais puseste o teu memorial; pois te descobriste a outros que não a mim, e subiste, alargaste a tua cama, e fizeste aliança com alguns deles; amaste a sua cama, onde quer que a viste. E foste ao rei com óleo, e multiplicaste os teus perfumes e enviaste os teus embaixadores para longe, e te abateste até ao sheol. Na tua comprida viagem te cansaste; porém não disseste: Não há esperança; achaste novo vigor na tua mão; por isso não adoeceste.” – Isaias 57:9
Ou seja, no Antigo Testamento o Sheol é a sepultura; lugar dos mortos, local escuro, subterrâneo, seco, e abafado; onde os mortos dormem ou onde as pessoas são destruídas.
Não existe tortura eterna através de fogo no Sheol. A diferença que os tradutores fazem entre sheol no sentido de “sepultura”, “mundo dos mortos” e “inferno”, são interpretações que não refletem o que os autores entendiam por Sheol.
Ge Hinnom
O Vale do Filho de Hinnom, (ou Vale de Hinnom, no hebraico Ge Hinnom, no grego Geena), era um local em Israel que posteriormente se tornou símbolo de punição profética, depois associado ao Inferno. Vamos conhecer toda historia do Vale registrada na Bíblia.
Algumas vezes, aparece como referencia geográfica sem maiores explicações, demonstrando que era um local conhecido por todos.
“E este termo sobe pelo vale do filho de Hinnom, do lado sul dos jebuseus (esta é Jerusalém) e sobe este termo até ao cume do monte que está diante do vale de Hinnom para o ocidente, que está no fim do vale dos refains do lado do norte.” – Josué 15:8
“E desce este termo até à extremidade do monte que está defronte do vale do filho de Hinnom, que está no vale dos refains para o norte, e desce pelo vale de Hinnom do lado dos jebuseus para o sul; e então desce a En-Rogel;” – Josué 18:16
“Em Zanoa, Adulão e nas suas aldeias, em Laquis e nas suas terras, em Azaca e nos lugares da sua jurisdição. Acamparam-se desde Berseba até ao vale de Hinnom.” – Neemias 11:30
No livro de Crônicas, o Vale aparece duas vezes como local de idolatria e de sacrifícios de crianças pelos próprios pais, o conhecido culto a Moloque. As antigas religiões do oriente médio escolhiam vales e lugares baixos para adorar seus deuses, pois acreditavam que estavam mais próximas do mundo subterrâneo e suas cerimonias abririam portas para o local onde viviam essas entidades. Um conceito próximo ao Sheol, mas ao invés dos mortos, os idólatras acreditavam que os deuses moravam no mundo subterrâneo.
“Tinha Acaz vinte anos de idade, quando começou a reinar, e dezesseis anos reinou em Jerusalém; e não fez o que era reto aos olhos do SENHOR, como Davi, seu pai. Antes andou nos caminhos dos reis de Israel, e, além disso, fez imagens fundidas a Baalins. Também queimou incenso no vale do filho de Hinnom, e queimou a seus filhos no fogo, conforme as abominações dos gentios que o SENHOR tinha expulsado de diante dos filhos de Israel. Também sacrificou, e queimou incenso nos altos e nos outeiros, como também debaixo de toda a árvore verde.” – 2 Crônicas 28:1-4
“Tinha Manassés doze anos de idade, quando começou a reinar, e cinqüenta e cinco anos reinou em Jerusalém.E fez o que era mau aos olhos do SENHOR, conforme às abominações dos gentios que o SENHOR lançara fora de diante dos filhos de Israel. Porque tornou a edificar os altos que Ezequias, seu pai, tinha derrubado; e levantou altares aos Baalins, e fez bosques, e prostrou-se diante de todo o exército dos céus, e o serviu. E edificou altares na casa do SENHOR, da qual o SENHOR tinha falado: Em Jerusalém estará o meu nome eternamente. Edificou altares a todo o exército dos céus, em ambos os átrios da casa do SENHOR. Fez ele também passar seus filhos pelo fogo no vale do filho de Hinnom, e usou de adivinhações e de agouros, e de feitiçarias, e consultou adivinhos e encantadores, e fez muitíssimo mal aos olhos do SENHOR, para o provocar à ira.” – 2 Crônicas 33:1-6
Durante a reforma de Josias, os ídolos erguidos pelos outros reis foram derrubados, entre eles o altar em Tofete, local no vale de Hinnom. Tofete significava algo como “local do fogo”.
“Também profanou a Tofete, que está no vale dos filhos de Hinnom, para que ninguém fizesse passar a seu filho, ou sua filha, pelo fogo a Moloque.” – 2 Reis 23:10
O Profeta Jeremias então revela o Vale de Hinnom e Tofete como futuro local de punição dos idolatras de Jerusalém, um local onde os punidos seriam enterrados.
“E edificaram os altos de Tofete, que está no Vale do Filho de Hinnom, para queimarem no fogo a seus filhos e a suas filhas, o que nunca ordenei, nem me subiu ao coração. Portanto, eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que não se chamará mais Tofete, nem Vale do Filho de Hinnom, mas o Vale da Matança; e enterrarão em Tofete, por não haver outro lugar. E os cadáveres deste povo servirão de pasto às aves dos céus e aos animais da terra; e ninguém os espantará.” – Jeremias 7:31-33
“E edificaram os altos de Baal, que estão no Vale do Filho de Hinnom, para fazerem passar seus filhos e suas filhas pelo fogo a Moloque; o que nunca lhes ordenei, nem veio ao meu coração, que fizessem tal abominação, para fazerem pecar a Judá.” – Jeremias 32:35
E depois profetisa que toda Jerusalém seria como o lugar de Tofete
“E sai ao Vale do Filho de Hinnom, que está à entrada da porta do sol, e apregoa ali as palavras que eu te disser; E dirás: Ouvi a palavra do SENHOR, ó reis de Judá, e moradores de Jerusalém. Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Eis que trarei um mal sobre este lugar, e quem quer que dele ouvir retinir-lhe-ão os ouvidos. Porquanto me deixaram e alienaram este lugar, e nele queimaram incenso a outros deuses, que nunca conheceram, nem eles nem seus pais, nem os reis de Judá; e encheram este lugar de sangue de inocentes. Porque edificaram os altos de Baal, para queimarem seus filhos no fogo em holocaustos a Baal; o que nunca lhes ordenei, nem falei, nem me veio ao pensamento. Por isso eis que dias vêm, diz o SENHOR, em que este lugar não se chamará mais Tofete, nem o Vale do Filho de Hinnom, mas o Vale da Matança. Porque dissiparei o conselho de Judá e de Jerusalém neste lugar, e os farei cair à espada diante de seus inimigos, e pela mão dos que buscam a vida deles; e darei os seus cadáveres para pasto às aves dos céus e aos animais da terra. E farei esta cidade objeto de espanto e de assobio; todo aquele que passar por ela se espantará, e assobiará por causa de todas as suas pragas. E lhes farei comer a carne de seus filhos e a carne de suas filhas, e comerá cada um a carne do seu amigo, no cerco e no aperto em que os apertarão os seus inimigos, e os que buscam a vida deles. Então quebrarás a botija à vista dos homens que forem contigo. E dir-lhes-ás: Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Deste modo quebrarei eu a este povo, e a esta cidade, como se quebra o vaso do oleiro, que não pode mais refazer-se, e os enterrarão em Tofete, porque não haverá mais lugar para os enterrar. Assim farei a este lugar, diz o SENHOR, e aos seus moradores; sim, para pôr a esta cidade como a Tofete. E as casas de Jerusalém, e as casas dos reis de Judá, serão imundas como o lugar de Tofete, como também todas as casas, sobre cujos terraços queimaram incenso a todo o exército dos céus, e ofereceram libações a deuses estranhos. Vindo, pois, Jeremias de Tofete onde o tinha enviado o SENHOR a profetizar, se pôs em pé no átrio da casa do SENHOR, e disse a todo o povo: Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Eis que trarei sobre esta cidade, e sobre todas as suas vilas, todo o mal que pronunciei contra ela, porquanto endureceram a sua cerviz, para não ouvirem as minhas palavras.” – Jeremias 19:2-15
Em Isaias, Tofete aparece como um local preparado para o fogo e a punição.
“Porque Tofete já há muito está preparada; sim, está preparada para o rei; ele a fez profunda e larga; a sua pira é de fogo, e tem muita lenha; o assopro do SENHOR como torrente de enxofre a acenderá.” – Isaias 30:33
E a imagem final de Isaías, embora não cite Tofete ou Ge Hinnom, mostra que após o Senhor estabelecer novos céus e nova terra, os cadáveres dos homens continuam queimando e sendo corroídos por vermes. (Mais tarde no Evangelho de Marcos, Jesus referencia esse evento como ao Ge Hinnom). Note que no texto em si não existe a ideia de que os corpos estão vivos, são cadáveres que ficam constantemente expostos, cadáveres inanimados.
“Porque, como os novos céus, e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante da minha face, diz o SENHOR, assim também há de estar a vossa posteridade e o vosso nome. E será que desde uma lua nova até à outra, e desde um sábado até ao outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o SENHOR. E sairão, e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim; porque o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e serão um horror a toda a carne.” – Isaias 66:22-24
Até aqui, o Ge Hinnom além de ser uma localização física, é uma profecia de uma julgamento futuro sobre os injustos. Alguns acreditam que o vale que se tornou cemitério no livro Guerra dos Judeus de Flavio Josefo, era o próprio Hinnom, mas não podemos ter certeza. (Guerra dos Judeus 5-6)
Embora não existam evidencias arqueológicas, segundo um rabino do século 12 chamado David Kimhi, o vale havia se tornado um lixão onde a sujeira era incinerada.
“E se tornou um lugar de desprezo onde lançavam a sujeira e os cadáveres, e havia ali um fogo queimando continuamente para queimar a sujeira e os ossos dos cadáveres. Por conta disso, o lugar de punição dos iníquos é chamado parabolicamente de Geena.”
Conclusão sobre o Antigo Testamento
Não há Inferno no Antigo Testamento, existe o Sheol, um local de não ação e o Ge Hinnom, um local que simboliza um acontecimento de punição, não há eternidade.
Na parte 2, vou seguir analisando os pontos da Mitologia Grega que influenciaram nossa ideia atual de inferno.